quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Que Há de Errado na Área Acadêmica de Administração no Brasil – Parte 2

Por que nossa produção acadêmica em administração não tem nenhum impacto mundial? Segundo artigo analisando os problemas.
O artigo da semana passada gerou tantas leituras e comentários que preferi estender a discussão por mais uma semana – hoje trago então a segunda parte, mas ainda há alguns pontos que eu queria levantar na semana que vem.

Hoje quero discordar de duas premissas muito populares sobre ensino e pesquisa de administração no Brasil – porque acho que elas atrapalham o desenvolvimento da área. Mas antes disso, um comentário relativo ao artigo da semana passada: nessa semana saiu a avaliação trienal da Capes (2007/2009). Para a área de administração, além da lista de periódicos continuar ruim, há algumas aberrações nos resultados que são dignas de nota. A única escola que tem um professor com várias publicações nos principais periódicos do mundo (além de outros professores com ótimo nível) recebeu um "regular" para seu mestrado; uma outra escola, bastante ávida por lucros e com nenhum professor que publicou algo de destaque em administração (alguns com certo nível de publicação em outras áreas, mas não administração), levou um "bom". Conselho: ao escolher um mestrado em administração, não se baseie pela classificação da Capes.

Bom, vamos às premissas (mitos?) que quero ir contra nessa semana:

Premissa 1: Quem tem que ensinar administração é executivo com experiência profissional na área

Essa premissa parece tão popular que a maioria das escolas tenta usá-la para atrair mais alunos – e dá-lhe anúncios dizendo que os professores são "gente que faz", coisas desse tipo. Glorifica-se o "profissional do mercado", na premissa que quem tem uma carreira de destaque pode transmitir a "receita de sucesso" aos alunos.

Bobagens, meu filho, bobagens.

Vamos então à primeira evidência: pegue a lista dos 50 melhores MBAs do mundo (o Financial Times é meu preferido na elaboração de rankings de MBA, mas você pode escolher qualquer fonte confiável). Veja que nessas escolas, algo como 99.5% dos professores são PhDs com dedicação integral à vida acadêmica. Nada de "profissional de mercado" – a não ser num curso ou outro (geralmente palestrantes em cursos ministrados pelos professores "acadêmicos").

Outra evidência: acadêmicos como Porter ou Kotler, que geraram conceitos usados por milhares de empresas pelo mundo, nunca tiveram nenhuma experiência como "executivo" antes de gerarem suas teorias.

Por que experiência profissional não habilita alguém a dar aulas de administração? O problema é, como se diz em inglês, o "sample of one": acreditar que uma experiência pode gerar generalizações que podem ser usadas em qualquer contexto. A pessoa cria regras baseadas no que viveu – mas quem garante que a relação causa-efeito foi aquela que ela acha que é? E se foi sorte? Intuição? Fatores difíceis de reproduzir em outros contextos? Veja que muitos executivos de sucesso numa empresa, ao mudar de emprego, enfrentam muitas dificuldades. O contexto mudou, o ambiente mudou, e aquilo que parecia regra básica começa a mostrar seus limites. A "receita de sucesso" revela-se transitória e limitada.

Por que os acadêmicos conseguem superar esse problema? Porque podemos basear nossos cursos na experiência de centenas de empresas e milhares de gestores, dando uma contextualização aos problemas que a maioria dos executivos não consegue. Podemos mostrar os limites de quando um conceito funciona ou não, podemos comparar dados de múltiplos estudos, podemos através de nossos métodos afirmar com maior segurança se determinada ação leva a determinado resultado. O objetivo é ensinar o aluno a pensar, não dar a receita pronta. Para que ele possa criar suas próprias receitas, porque os problemas que enfrentará são de certa forma únicos e demandam uma capacidade de análise que vai além da simples aplicação de um conceito. E para que consigamos criar esse ambiente de aprendizado, precisamos de anos de estudo num programa de doutorado e precisamos de dedicação integral à atividade acadêmica.

Isso não significa que ex-executivos não possam ser bons professores. Por exemplo, Clayton Christensen (professor de Harvard e "guru"de inovação) era um executivo de sucesso, CEO de uma empresa de tecnologia. Por gostar da vida acadêmica, quando estava próximo dos 40 anos resolveu abandonar a vida de executivo e fazer um doutorado em Harvard. Completou seus estudos em menos de 3 anos – a experiência que ele tinha acumulado facilitou em muito sua pesquisa – e foi contratado pela escola, logo publicando artigos e livros que o tornaram referência na área de inovação. O importante nessa história é que ele teve a humildade de começar um doutorado mesmo sendo um executivo de enorme sucesso, e teve a disciplina de se dedicar à vida acadêmica a partir daí.
Isso tudo não quer dizer que acadêmicos são sempre melhores professores que executivos – porque tem muito acadêmico ruim (assim como muito executivo ruim). Mas, se for para escolher entre uma escola com 99.5% de professores acadêmicos e uma escola com "profissionais de mercado", eu não teria dúvidas de que lado ficar (e parece que os alunos também não, dado o padrão nos rankings de melhores MBAs do mundo).

Fica então uma frase de Kurt Lewin, um dos pais da moderna psicologia: "Não há nada tão prático como uma boa teoria". Não as temam: aprender boas teorias é a forma mais eficiente de se dar bem na prática.

Premissa 2: As teorias vindas "de fora" não se aplicam ao Brasil

Junto a essa premissa bastante popular entre acadêmicos e executivos no Brasil, às vezes vem a versão mezzo-paranóica que "as teorias americanas são um instrumento de dominação imperialista". O resultado disso? O Brasil tem um número enorme de professores fazendo pesquisa na área de "critical management studies", estudos que criticam / se opõem às teorias mais estabelecidas da área. Um monte de gente criticando, mas bem poucos construindo.

Eu acho abordagens críticas muito importantes, acho que para evolução do conhecimento precisamos de constante questionamento sobre suas premissas, métodos e consequências. Mas daí a ter departamentos onde quase todo mundo passa o tempo inteiro criticando o que se pesquisa em administração é um salto grande demais.

Já passamos por isso na macroeconomia: depois de anos tentando soluções heterodoxas que partiam da premissa que "o Brasil é diferente" e resultavam em maior e maior descontrole, a coisa só começou a dar certo quando se aplicou a receita básica global: gastar menos e arrecadar mais (que aliás os EUA tem esquecido e logo se verá em apuros por isso). Claro, foram medidas que se adaptaram a características únicas do país mas preservaram alguns preceitos básicos de teorias mais gerais. E tem dado certo.

A maioria das teorias em administração é contextual – temos muito cuidado em determinar as condições em que determinado estudo se aplica. Então dizer que "as teorias de fora não se aplicam ao Brasil" é ter uma certa ingenuidade (ignorância?) quanto às teorias: a maioria delas não diz "A causa B em qualquer contexto", mas algo como "A causa B quando os fatores C, D e E estão presentes". Se no Brasil os fatores forem diferentes, você pode ir lá e refinar a teoria, mostrando seus limites e como a relação entre A e B muda no contexto específico. É assim que se constrói conhecimento; é assim que pesquisadores em muitos países emergentes tem desenvolvido suas teorias. Mas no Brasil, parece que a reação mais comum é dizer "A e B não valem nada". E ficar só nisso.

Na versão mais paranóica, alguns acham que os acadêmicos baseados nos EUA são todos acríticos, pessoas que pensam todas de forma igual e que querem dominar o mundo com seu pensamento único. Vai ver até somos todos assim mesmo. Mas não é a impressão que eu tive nos 15 anos que tenho convivido com acadêmicos das principais escolas dos EUA e Europa. A maioria é bastante crítico, bastante capaz, e se há alguns viés político / ideológico, nas escolas de elite em administração esse viés é decididamente mais para a esquerda (exceto em departamentos de finanças, onde a média estaria mais para o que é considerado "direita"). Então essa visão de renegar tudo que vem dos EUA parte de um preconceito infundado contra as pessoas baseadas no país, e da falta de conhecimento mais profundo da diversidade de pensamento (e da liberdade para pensar diferente) que há nas escolas "de fora".

Ao invés de ficar procurando o Santo Graal da "Grande Teoria Brasileira de Administrar", acho que é mais eficiente e eficaz estabelecer diálogo com o que é produzido por alguns dos melhores acadêmicos pelo mundo, e contribuir no processo de geração global de conhecimento partindo das especificidades brasileiras. Um equilíbrio entre crítica e construção.

É isso por hoje. Semana que vem falo de outra premissa falha ("escola tem que ser administrada como empresa"), da inutilidade das conferências locais, dos jogos políticos nos departamentos... e voltando a algo que citei na semana passada: o que trago aqui é subjetivo, minha visão pessoal a partir do que vivi e observo. Posso estar totalmente errado, totalmente certo, mas provavelmente há um meio termo entre o "certo" e o "errado" que pode servir para melhorar nosso ambiente acadêmico em administração. O espaço de comentários abaixo está ai para isso: vamos estabelecer o debate.

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